Cada gesto que façam por uma Europa unificada protegerá um pouco mais o tesouro do mundo. Acusai-me de romantismo, que importa! Para mim, o tesouro do mundo, é um infante de Vélasquez, uma ópera de Wagner ou uma Catedral gótica. É um calvário bretão ou uma necrópole de Champanhe. É o Romancero do Cid ou a visão de Victor Hugo da "criança grega".
É um túmulo dos Inválidos onde a Grande Águia de Schönbrunn, a de Alcazar de Toledo ou do Coliseu de Roma, a Torre de Londres ou a de Galata, o sangue de Budapeste ou a quadriga orgulhosa da Porta de Brandeburgo que se tem tornado no posto fronteiriço da Europa mutilada. Por todas essas pedras, por todas essas águias e por todas essas cruzes, pela memória do heroismo e do génio dos nossos pais, pela nossa terra ameaçada de escravidão e a lembrança de um grande passado, a luta não será jamais em vão.
Frágil Geneviève de Paris, patrona da Europa, sozinha contra as hordas mongóis, simbolizas o nosso espírito de resistência. E tu, vencedor louro com rosto de Deus, macedónio às dez milhas fiel, Alexandre, tu que conquistaste o mundo oriental com a tua fé e a tua espada, lançado contra o destino e o sentido da História, simbolizarás talvez um dia o triunfo da Europa imperial.
Sinto pesar sobre os meus ombros miseráveis o peso desmedido da mais gloriosa das heranças. Para mim, que não sou nada e que nada represento, a civilização dedicou-me um presente gigantesco: o património da Europa. É feito de tesouros e lembranças. Cada um de nós, creio, em Londres e em Viena, em Berlim e em Madrid, em Atenas e em Varsóvia, em Roma e em Paris, em Sófia e em Belgrado, deve sentir o mesmo drama. Cada um de nós é o último dos europeus. Sou o príncipe fraco procedente de uma linhagem de colossos e que vai talvez terminar uma raça. Morrerei sem posteridade, esterilizado pelo átomo ou degolado por um fanático. E os meus irmãos terão o mesmo destino. Gigantes precedem-nos, heróis e cientistas, exploradores da terra e exploradores da alma, César e António, monarcas e capitães, silhuetas severas vestidas de luto, de bonitas cortesãs ou de brutos implacáveis. Todo um cortejo de grandes figuras, resplandecentes de esplendor e poder, desenrola-se aos nossos olhos, imenso fardo para os nossos contemporâneos irrisórios. Eis que amontam a Oriente as nuvens sinistras do galope pagão e bárbaro. Vou morrer. Eu morro. E a Europa comigo. Connosco. Não deixarei nada. Há cinquenta anos que divulgo a herança. E deixei o reino do céu vazio. Não terei herdeiros neste mundo hostil e caótico. Posso deixar apenas uma mensagem: a história, a muito bonita história de uma civilização mortal, que se cria invencível. Uma civilização pela qual mil milhões de homens lutaram e venceram durante trinta séculos. Ninguém estará lá para ler-me. Que importa. Que seja como um último grito de raiva e de amargura: o Testamento de um Europeu.
Jean de Brem. O escritor e jornalista Jean de Brem, comprometido no combate clandestino pela Argélia Francesa, foi abatidos pela polícia em Paris em 1963.